O trabalhador brasileiro passa por um momento de estresse, considerando a crise econômica que gera desemprego e, como se não bastasse, serviços públicos ruins aliados a um sistema burocrático ultrapassado, bem como uma tributação abusiva têm sido algumas das causas do fortalecimento desta crise. Talvez um dos sistemas da administração pública que consiga reunir todos esses elementos seja a figura do Conselho de Classe Profissional.
Uma ideia legislativa, proposta por um cidadão do Distrito Federal, pretende extinguir as taxas recolhidas pelos Conselhos profissionais por meio da revogação dos art. 4°, 5° e 6° da
lei 12.514/2011 ou, no mínimo, tornar opcionais esses tributos.
A sugestão, proposta em março de 2018, ganhou o apoio de mais de 20 mil cidadãos em julho do mesmo ano, o que obriga a análise pela comissão de direitos humanos do senado onde poderá ser transformada em projeto de lei ou justificadamente rejeitada.
A ideia ganhou o apoio da deputada federal Joice Hasselamann (PSL-SP) que alegou, por meio de seu twitter, que os brasileiros estão impedidos de atuar em suas áreas devido às altas taxas cobradas por seus respectivos conselhos de classe. Desde então, o assunto virou tema de discussão nas redes sociais e obviamente trouxe grande preocupação aos defensores da manutenção do sistema atual de cobrança.
Isso talvez tenha motivado a edição da proposta de emenda nº 166, de autoria do deputado federal Tiago Mitraud (NOVO/MG), à Medida Provisória nº 873. O texto propõe que seja facultativo o pagamento de anuidades aos conselhos de fiscalização do exercício profissional. Ainda que tal emenda seja rejeitada por se tratar de matéria diversa da MP, que dispõe sobre contribuição sindical, a proposta conseguiu incomodar as principais autarquias como, por exemplo, o sistema CONFEA/CREA, que vem articulando sua rejeição junto à frente parlamentar de defesa da engenharia e arquitetura.
E ainda não acabou!
No dia 28 de março deste ano, consta no site da Câmara de deputados a apresentação do
projeto de lei nº 1.885 de autoria do deputado José Medeiros (PODE/MT), que torna opcional o pagamento de anuidades aos conselhos.
O PL foi apensado a outro projeto, de autoria do deputado Professor Victório Galli (PSC/MT), que determina a cobrança de anuidade após 36 meses de registro. Ao que parece, há uma vontade expressa por parte dos profissionais e das empresas de dar um basta nessa tributação que, segundo as justificativas apresentadas nos respectivos projetos, é abusiva e não traz o devido retorno ao profissional e à sociedade.
A tributação é um elemento sufocante num país em que muito pouco se percebe a conversão da receita em benefícios à comunidade, que é o que justifica a razão de existência do processo de arrecadação do Estado.
É frustrante para qualquer trabalhador, especialmente aquele em início de carreira e que tenha sua profissão regulamentada, ter que pagar um valor consideravelmente desproporcional à sua realidade.
Não parece ser justo que uma anuidade seja exatamente igual tanto para um profissional bem consolidado no mercado quanto para um recém-formado que esteja em seu primeiro emprego, isto se tiver a sorte de conseguir trabalhar na área com proventos que faça jus à carreira.
Em meio à crise nacional onde o destaque é o desemprego, não é muito difícil compreender o apelo da população pela
desobrigatoriedade do pagamento dessas taxas. Entretanto, até que ponto isto seria exequível ao Estado, salutar à economia e seguro à coletividade?
A
Constituição Federal, em seu art. 5º inciso XIII, determina que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. É óbvio que a sociedade precisa estar protegida de imperitos e charlatães que possam, além de uma simples enganação, provocar sérios danos à integridade material e física de seus clientes.
Desta forma, o Estado necessita restringir a atuação profissional e conceder autorização somente a quem esteja, de fato e de direito, hábil a exercer determinada função técnica. Portanto, quando uma profissão é regulamentada, o Estado está reconhecendo que a sociedade pode ser gravemente afetada pela má prestação do serviço, produto ou obra técnica.
Então, faz-se necessário, por parte do Estado, o uso do Poder Regulamentar, que é a prerrogativa da administração pública para editar atos normativos que complementem as leis, a exemplo das já conhecidas resoluções editadas pelos Conselhos, e também, de fundamental importância, o uso do Poder de Polícia que, segundo a redação do art. 78 do
Código Tributário Nacional:
“é a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes da segurança, higiene, meio ambiente, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”
Acerca deste assunto, indico a leitura do artigo intitulado
“RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS”. O brilhante texto diz que as entidades de fiscalização profissional, no exercício do poder de polícia, devem zelar pela preservação de dois aspectos essenciais, que são a ética e a habilitação adequada para o exercício profissional.
Ora, mas se para manter essa estrutura de proteção à coletividade que naturalmente requer uma atuação da polícia, considerando ser a polícia das profissões os Conselhos Classistas e considerando que o art. 77 do Código Tributário Nacional estabelece que as taxas cobradas pelos entes federados tenham como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, então, caso se extinga o tributo,
não estaria ficando prejudicado o serviço de fiscalização profissional?
Não são raras as queixas sobre a
baixa atuação fiscal dos Conselhos, bem como alegações sobre o fato de que estes se comportam como
verdadeiras máquinas arrecadadoras. E é bem isto que provoca revolta e até mesmo o “esquecimento”, por parte dos profissionais, das importantes funções destas autarquias que são o exercício legislativo e a promoção da ética profissional. Tais atividades não podem ser exercidas por nenhum outro aparelho do Estado que não sejam os Conselhos profissionais.
Bom, mas e quanto ao Poder de Polícia atribuído a estes?
A atuação fiscal dos Conselhos tem se resumido a averiguação da natureza da atividade, exigência de anotação de responsabilidade técnica pelo profissional legalmente habilitado, verificação da inscrição deste no respectivo Conselho e, óbvio, sua situação de adimplência junto à entidade. Ademais, a pessoa jurídica também deverá estar inscrita no Conselho, conforme preconiza a
lei 6.839/1980:
Art. 1º O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.
Sobre essa questão, cabe aqui lembrar os inúmeros processos tramitando no judiciário devido a contradições de entendimento entre os Conselhos. Disputas, como por exemplo, entre
CREA e CRQ, onde ambos entendem deter a competência fiscal sobre a atividade básica exercida pela empresa, vem sendo motivo de verdadeiras batalhas judiciais. Ora, briga entre integrantes da Polícia? Seria até esdrúxulo se não acontecesse no Brasil!
É bem certo que os Conselhos se encontram
viciados em arrecadação de taxas, sejam anuidades ou anotações técnicas. Isso provoca uma grande antipatia popular, o que se converte facilmente em apoio a qualquer manifestação contrária a esse tipo de tributação. Pelo que se percebe, o movimento pode ganhar ainda mais força e com certeza isso gera prestígio aos parlamentares solidários à causa.
Porém, independente da popularidade e apelo político, é sabido que se faz necessário uma estrutura mínima de funcionamento para a garantia da ética profissional e da habilitação técnica a fim de assegurar a plena liberdade do exercício profissional sem que haja prejuízo à coletividade.
Isso consiste em tornar
justo, moral e eficiente um sistema de regulamentação de profissões que atualmente mais se assemelha às entidades representativas de classe como sindicatos e associações do que com autarquias em regime especial. Estas integram a administração pública e, portanto, estão a serviço do interesse público e não de uma única classe.
Ao se considerar a natureza autárquica dos Conselhos, percebe-se então o flagrante desvio de finalidade quando estes atuam em busca de superioridade classista. Tal condição é inadmissível na esfera pública que deve ser única enquanto administração e harmônica quanto às suas unidades integrantes.
Logo, não há razão para que um profissional seja impedido de exercer seu ofício, para o qual está habilitado, por uma mera questão de registro em Conselho, o que se resumirá tão somente em arrecadação de taxas. Engenheiros e tecnólogos de alimentos, os quais se encontram sob a mira fiscal do CREA e do CRQ, são exemplos de profissionais que sofrem com esses paradoxos administrativos e acabam sendo bitributados.
Além dos profissionais da tecnologia de alimentos, que infelizmente viraram exemplos clássicos da atuação abusiva dos Conselhos, há de se mencionar também os demais profissionais com mais de um diploma que não conseguem exercer suas multitarefas.
Um exemplo muito comum é o administrador, devidamente registrado no Conselho de Administração, que resolve se formar em ciências contábeis para também cuidar da contabilidade da empresa.Ora, qual o sentido de se pagar dois Conselhos para exercer atividades dentro de um mesmo ambiente de trabalho, o que vem há tempos sendo uma exigência do mercado? Nesta situação também se encontram profissionais diplomados em arquitetura e engenharia civil, em química industrial e farmácia, em zootecnia e agronomia etc.
Não é difícil perceber o
retrocesso e o grau de
estagnação que essas entidades fiscais proporcionam ao país. Muito embora o sistema tributário seja o principal mecanismo de manutenção do funcionamento da máquina pública, quando abusivo e sem respaldo pode se tornar um forte contribuinte para uma crise econômica.
No presente momento, o Brasil enfrenta um grave problema de desemprego e uma carência de qualificação profissional em diversos setores da economia. Não são poucos os estudiosos que apontam o sistema tributário nacional como sendo obsoleto e extremamente nocivo ao desenvolvimento econômico.
A cobrança de taxas relacionadas ao exercício profissional se faz necessária para a manutenção dos Conselhos, porém não deve ser abusiva e, não menos importante,
deve ser única!
Um profissional jamais deve pagar por dois registros, afinal ele possui apenas um CPF. Ser diplomado em mais de uma área do conhecimento não significa que esse profissional receberá proventos como se fossem dois empregados, mas essa dupla qualificação seria tão somente o cumprimento de uma exigência do mercado.
Mesmo sendo amargo, o Sistema Tributário Nacional possui uma configuração instituída pela Constituição Federal e sem dúvidas não seria tão simples sua modificação. Aliás, reforma tributária é tema que rompe décadas neste país.
Projeto de lei que visa por fim a obrigatoriedade dessas anuidades pode ganhar amplo apoio popular, entretanto pode ser considerado inexequível na comissão de constituição, justiça e cidadania (CCJ) da Câmara ou do Senado.
De qualquer forma, o Estado precisa propor uma
reformulação dos Conselhos. A população composta por profissionais e empresas está mostrando sua considerável insatisfação quanto ao modus operandi dessas entidades. O atual modelo não contribui para o progresso do país e também pode significar um déficit na receita.
As crises de uma nação, sejam elas de natureza cultural, ética, política ou econômica se combatem com medidas estatais coerentes com sua Constituição. Enquanto isto, uma só frase paira na mentalidade dos trabalhadores empresários e empregados:
O BRASILEIRO PRECISA TRABALHAR!
Julio Cezar D’Ávila Pereira Paixão Costa é Engenheiro de Alimentos e Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Atuou durante 8 anos como técnico do laboratório de Análise de Alimentos na Universidade Federal do Tocantins. Atualmente é Engenheiro no Escritório Federal de Aquicultura e Pesca no Tocantins e presta consultoria técnica para a empresa de gases industriais.