Dispõe sobre medidas administrativas a serem adotadas no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para fins de prevenção à disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais, e dá outras providências.
O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 35 da Medida Provisória nº 1.154, de 1º de janeiro de 2023, e na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990,
Considerando que o art. 220 da Constituição da República garante a liberdade de expressão e manifestação do pensamento, desde que respeitados os preceitos constitucionais, aí incluída a proteção dos direitos fundamentais previstos nos artigos 5º e 227 da Constituição que trazem a prioridade absoluta ao atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes, a exemplo do direito à vida e à saúde;
Considerando a circulação de conteúdos ilegais, nocivos e danosos nas plataformas de redes sociais referentes a extremismo violento que incentivam ataques a ambiente escolar ou fazem apologia e incitação a esses crimes ou a seus perpetradores;
Considerando que as plataformas de redes sociais não são simples exibidoras de conteúdos postados por terceiros, mas mediadoras dos conteúdos exibidos para cada um dos seus usuários, definindo o que será exibido, o que pode ser moderado, o alcance das publicações, a recomendação de conteúdos e contas, e, assim, não são agentes neutros em relação aos conteúdos que nela transitam;
Considerando que a interferência no fluxo informacional é um dos pilares do modelo de negócios das plataformas de redes sociais e também a fonte de seus lucros, e que esse modelo de negócios gera externalidades negativas para toda a sociedade, incluindo riscos sistêmicos;
Considerando que a atividade de intermediação de conteúdo desenvolvida pelas plataformas de redes sociais as caracteriza como fornecedoras de serviços, nos termos do disposto no art. 3º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor);
Considerando o art. 6º, I, do Código de Defesa do Consumidor, que prevê como direito básico do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de serviços considerados perigosos ou nocivos;
Considerando que o art. 14, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, caracteriza o serviço como defeituoso quando esse não fornece segurança dentro da expectativa razoável do consumidor;
Considerando o dever geral de segurança dos serviços prestados ao consumidor, previsto no art. 8º do Código de Defesa do Consumidor;
Considerando a previsão no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, que elenca como cláusulas abusivas, nulas de pleno direito, as que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza, as que estabeleçam obrigações iníquas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou com a equidade;
Considerando o dever geral de cuidado derivado do Código Civil, corolário da boa-fé objetiva, que corresponde a dever indisponível e envolve a conduta ativa das contrapartes de uma relação obrigacional para evitar que dela se originem danos aos contratantes, incluindo contratos de adesão;
Considerando a interpretação sistemática dos artigos 19 e 21 do Marco Civil com a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e os princípios gerais de direito, pela qual se conclui que não é possível eximir as plataformas de redes sociais da responsabilidade e da obrigação de prevenir a disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos, em relação aos quais se espera que sejam adotadas medidas de cuidado razoáveis e proporcionais;
Considerando que as plataformas de redes sociais são responsáveis, em relação às suas ações ou omissões, por zelar pela segurança de seus serviços, incluindo o cumprimento de seus próprios termos de uso e moderação, devendo responder por ato próprio no que diz respeito ao design da plataforma e a todas as formas de ingerência e influência no fluxo informacional;
Considerando ainda que o não cumprimento dos deveres de segurança e de cuidado trazem riscos anormais e imprevisíveis para os usuários e especialmente para crianças e adolescentes;, resolve:
Art. 1º Esta Portaria dispõe sobre medidas administrativas a serem adotadas no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para fins de prevenção à disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais, e dá outras providências.
Art. 2º A Secretaria Nacional do Consumidor - SENACON deverá, no âmbito de suas atribuições, definidas pelo art. 106 do Código de Defesa do Consumidor e pelo art. 3º do Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, instaurar processo administrativo para apuração e responsabilização das plataformas de rede social, pelo eventual descumprimento do dever geral de segurança e de cuidado em relação à propagação de conteúdos ilícitos, danosos e nocivos, referentes a conteúdos que incentivem ataques contra ambiente escolar ou façam apologia e incitação a esses crimes ou a seus perpetradores.
Art. 3º A SENACON deverá requisitar às plataformas de redes sociais o relatório sobre as medidas tomadas para fins de monitoramento, limitação e restrição dos conteúdos previsto no art. 2º desta Portaria, bem como:
I - as medidas proativas tomadas para limitar a propagação desses conteúdos;
II - o atendimento das requisições pelas autoridades competentes;
III - o desenvolvimento de protocolos para situações de crise; e
IV - outras medidas cabíveis.
Art. 4º A SENACON, no âmbito de processo administrativo, deverá requisitar que as plataformas de redes sociais avaliem e tomem medidas de mitigação relativas aos riscos sistêmicos decorrentes do funcionamento dos seus serviços e sistemas relacionados, incluindo os sistemas algorítmicos.
§ 1º A avaliação de riscos sistêmicos, a ser requisitada nos termos do caput, deverá considerar os efeitos negativos, reais ou previsíveis, da propagação de conteúdos ilícitos, nos termos desta Portaria, em especial:
I - risco de acesso de crianças e adolescentes a conteúdos inapropriados para idade, além de conteúdos ilegais, nocivos e danosos, nos termos desta Portaria; e
II - risco de propagação e viralização de conteúdos e perfis que exibam extremismo violento, incentivem ataques a ambiente escolar ou façam apologia e incitação a esses crimes ou a seus perpetradores.
§ 2º A SENACON deverá requisitar às plataformas de redes sociais relatório que considere como os seguintes fatores influenciam os riscos sistêmicos referidos no § 1º:
I - a concepção dos seus sistemas de recomendação e de qualquer outro sistema algorítmico pertinente;
II - seus sistemas de moderação de conteúdos;
III - os termos e políticas de uso aplicáveis e a sua aplicação consistente; e
IV - a influência da manipulação maliciosa e intencional no serviço, incluindo a utilização inautêntica ou da exploração automatizada do serviço, bem como a amplificação e difusão potencialmente rápida e alargada de conteúdos ilegais e de informações incompatíveis com os seus termos e políticas de uso.
Art. 5º A Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP deverá coordenar, no âmbito da Operação Escola Segura, por meio da Diretoria de Operações Integradas, para garantir a efetividade da operação, o compartilhamento, entre as plataformas de redes sociais e as autoridades competentes, dos dados que permitam a identificação do usuário ou do terminal da conexão com a Internet daquele que disponibilizou o conteúdo, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, da Lei nº 12. 850, de 2 de agosto de 2013, e da Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013.
§ 1º Para efetiva colaboração das plataformas de redes sociais com a Operação Escola Segura, visando garantir a efetividade da operação, a SENASP deverá requerer a adoção de medidas que uniformizem o atendimento das autoridades competentes, nos termos da legislação, nos diversos âmbitos federativos e o atendimento das respectivas requisições.
§ 2º Para efetiva colaboração das plataformas de redes sociais com a Operação Escola Segura, visando garantir a efetividade da operação, a SENASP deverá orientar as plataformas a impedir a criação de novos perfis a partir dos endereços de protocolo de Internet (endereço IP) em que já foram detectadas atividades ilegais, danosas e perigosas referentes a conteúdos de extremismo violento que incentivem ataques ao ambiente escolar ou façam apologia e incitação a esses crimes ou a seus perpetradores, no período da operação.
Art. 6º A SENASP deverá instituir banco de dados de conteúdos ilegais, nos termos desta Portaria, para fins de compartilhamento entre as plataformas de redes sociais, com o objetivo de facilitar a identificação pelos sistemas automatizados.
§ 1º O banco de dados de que trata o caput poderá conter imagens, links e outros conteúdos ilegais, nos termos desta Portaria, aos quais poderá ser atribuído hash exclusivo, entre outros recursos que os identifiquem e auxiliem na limitação da circulação de postagens nas plataformas de redes sociais.
§ 2º Para efetiva colaboração das plataformas de redes sociais com a Operação Escola Segura, visando garantir a efetividade da operação, a SENASP deverá orientar as plataformas a usar como parâmetro para a indisponibilidade, ou para a remoção de que trata esta Portaria, a existência de conteúdos idênticos ou similares àqueles cuja exclusão tenha sido determinada no âmbito da Operação.
Art. 7º Na ocorrência de circunstâncias extraordinárias que conduzam a uma grave ameaça à segurança pública objetivamente demonstrada, o Ministério da Justiça e Segurança Pública poderá determinar a adoção de protocolos de crise, a serem observados pelas plataformas de redes sociais com medidas proporcionais e razoáveis.
Paragrafo único. As plataformas de redes sociais deverão indicar o representante responsável pela comunicação direta, inclusive por via eletrônica, com as autoridades policiais e judiciárias da União, dos Estados e do Distrito Federal, apto a tomar decisões para mitigar a situação de crise.
Art. 8º As sanções para o não cumprimento das obrigações previstas nesta Portaria se darão no âmbito de procedimento administrativo ou judicial, de acordo com as atribuições dos órgãos competentes.
Art. 9º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
FLÁVIO DINO