Instrução Normativa nº21/2017: Peixe Congelado - Parte 1

Há aproximadamente 1 ano, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) abria consulta pública, por meio da portaria nº 136, para que se apresentassem sugestões técnicas ao Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade (RTIQ) do peixe congelado que até então não existia. A ausência de tal regulamento por tanto tempo, só demonstra o total descaso da pasta para com nosso peixe, que poderia muito bem ser um grande produto de exportação. Porém, sua ascensão na economia brasileira ficou durante um bom tempo limitada pela produção de peixe fresco (inteiro e eviscerado), onde por meio da portaria 185, de 13 de maio de 1997 o RTIQ deste produto veio a ser aprovado (Afinal... Aqui é Brasil!) De qualquer forma, absurdos 20 anos depois da aprovação do regulamento para peixe fresco, veio a aprovação do RTIQ para peixe congelado através da Instrução Normativa nº 21, de 31 de maio de 2017 e é nela que concentraremos nossas atenções, até mesmo porque tal norma ainda está bem fresca e muito comentada por quem já comercializa e ou pretende comercializar peixe congelado. Bom, é importante ressaltar que este regulamento trata exclusivamente de peixes e não de pescados de forma geral! Para iniciarmos as considerações, observemos a definição de peixe congelado logo no art. 2º da norma:
Art. 2°. Para os fins deste Regulamento, peixe congelado é todo o produto obtido de matéria-prima fresca, resfriada, descongelada ou congelada, de espécies de peixes oriundas da pesca ou da aquicultura, submetido ao congelamento rápido na sua apresentação final.
Neste dispositivo, o legislador se preocupou com a diversidade de produtos congelados a serem obtidos quando tratou da origem, a qual pode ser, além de matéria-prima fresca e resfriada que são as mais comuns em se tratando de obtenção do filé, também descongelada ou mesmo congelada, mitigando qualquer engessamento legal. Isto beneficia em muito a tecnologia do pescado congelado de forma integral, considerando a variedade de produtos congelados presentes no comércio hodierno. Porém, o artigo traz uma redação interessante: o produto deverá ser submetido ao congelamento rápido!

Ora, mas o que é congelamento rápido?

peixe congelado, congelamento rápido Antes de buscarmos a definição científica (que por sinal é meio confusa), exploremos ainda o referido regulamento que busca trazer uma definição logo em seguida:
Art. 2º. Parágrafo único. O congelamento rápido de que trata o caput deve observar os limites de temperatura de cristalização máxima e não deve ser considerado concluído até que a temperatura do produto tenha alcançado – 18ºC (dezoito graus Celsius negativos) no centro geométrico do produto.
Então é esta a definição trazida pelo regulamento? Qualquer um que tenha o mínimo de conhecimento da cadeia do frio saberá que esta é uma definição bem prática de congelamento, mas daí congelamento rápido? Rápido não teria a ver com a variável tempo? Primeiramente, segundo o que nos traz Alex Gonçalves em sua obra “Tecnologia do Pescado Ciência, Tecnologia, Inovação e Legislação”, a definição de congelamento rápido ainda não se encontra de todo esclarecida pela comunidade científica, no entanto para pescados se convenciona que o processo de congelamento do produto deve ocorrer de 0°C a -5°C num tempo não superior que 2 horas. E por que esse tempo é tão importante? Exatamente para evitar que se formem cristais pontiagudos nesse processo, o que promove a injúria dos tecidos e a consequente depreciação da qualidade sensorial do produto. Bom, não sei se faltou essas considerações no ano passado quando da abertura da consulta pública... Será? peixe congelado, congelamento rapido, IN 21/2017 Outro fator interessante é a temperatura alcançada no final do processo: -18°C no centro geométrico do produto. Este ponto é o mais quente do alimento, considerando o maior isolamento térmico concedido por seus componentes, em especial os lipídios (gorduras) que são os melhores isolantes térmicos para o produto de origem animal. Em consideração a isto, vemos que tal condição satisfaz às definições clássicas de congelamento, porém não às práticas de inspeção e garantias reais de qualidade do produto. Explico:
  1. Ainda segundo o que nos traz o autor Alex Gonçalves, a temperatura de congelamento do pescado deve ser ainda mais reduzida, de modo que a média da temperatura no final do processo seja de -30°C, que é a recomendada para fins de conservação do produto congelado;
  2. Para que isto aconteça, a temperatura no ponto mais quente do produto não deve ser superior a -20°C (contrariando preconizações do regulamento). Desta forma, a temperatura no ponto mais frio chegaria à próxima do fluido refrigerante, ou seja, -35°C. Com isto, a temperatura média seria por volta de -30°C; e
  3. Em consideração aos itens 1 e 2, sabe-se que não se pode exigir tanto da inspeção que se observe a temperatura do centro geométrico do produto uma vez que isto é de difícil averiguação. Na prática, se o inspetor for bem entendido do que está fazendo (geralmente não é...) ele deverá observar a temperatura de superfície que, obviamente como indicativo, deverá estar muito abaixo da estabelecida para o ponto geométrico.
Com isso, posso concluir que a IN 21 perdeu uma boa oportunidade de trazer em seu texto a definição do que se convencionou cientificamente a respeito de congelamento rápido, afinal isso impediria qualquer intenção de se instalar freezers domésticos que não são capazes de manter a temperatura mínima de congelamento exigida pela norma. Além disto, o regulamento não tornou mais fácil o entendimento para o industrial de que a média de temperatura de produto congelado é na verdade -30°C e não -18°C, como se pode observar em temperaturas no interior de equipamentos domésticos muitas vezes usados em restaurantes. Para quem já estava no mercado de peixes congelados e também para quem pretendia ingressar no mercado antes desta IN, pôde observar que o mercado agora deverá se aperfeiçoar quanto à concorrência, uma vez que na ausência de um RTIQ para este importante produto do agronegócio, as práticas desiguais na auditoria pública e as atitudes arbitrárias mascaradas de atos discricionários por parte de alguns fiscais eram constantes. Para quem pretende ingressar no mercado, meu conselho é que verifique se há de fato capital de investimento em sistemas de congelamento rápido e de armazenamento do produto. Há boas alternativas tecnológicas para congelamento de pescados que são congruentes com as mais diversas capacidades de produção. O peixe brasileiro precisa alcançar o pódio das exportações e esta é uma bela oportunidade. Agradeço a leitura e desde já os futuros comentários e questionamentos. Até o próximo texto, nobre leitor, onde estarei falando sobre a importância do glaciamento. VIVA O PESCADO BRASILEIRO!!!
Julio Cezar D’Ávila Pereira Paixão Costa é Engenheiro de Alimentos e Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Atuou durante 8 anos como técnico do laboratório de Análise de Alimentos na Universidade Federal do Tocantins. Atualmente é Engenheiro no Escritório Federal de Aquicultura e Pesca no Tocantins e presta consultoria técnica para a empresa de gases industriais.

Informações sobre a legislação

Publicado em

16 de novembro de 2017

Palavras-chave

D.O.U nº

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Tipo

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Ano

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Situação

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Macrotema

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Órgão

-

* Esta publicação não substitui a legislação oficial

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